É esta a lenda que abre o filme A Nação que Não Esperou por Deus, que estreou nesta quinta-feira (16). Dezesseis anos depois de ter feito o filme de época Brava Gente Brasileira com participação dos Kadiwéu, a cineasta carioca Lucia Murat conta, agora com linguagem documental, usa imagens e entrevistas antigas e atuais para contar a história e os conflitos pelos quais esta tribo do Mato Grosso do Sul vem passando.
A diretora esteve na aldeia pela primeira vez em 1996, no início do processo de pesquisa para o longa Brava Gente Brasileira, filmado em 1999 e lançado em 2000. Ela voltou para lá em 2009 e, já naquela época, eram evidentes as transformações pelas quais passaram, por isso decidiu fazer este novo documentário. No intervalo entre os dois filmes, chegaram até a tribo luz elétrica, televisão, drogas, bebidas, assassinatos e cinco diferentes igrejas evangélicas, todas lideradas por pastores índios.
Em A Nação que Não Esperou por Deus, Lucia reencontra alguns personagens de seu filme de 1999, sobre as conflituosas relações entre os portugueses e os índios no século 18. José Marcelino teve papel fundamental durante as pesquisas de Brava Gente Brasileira já que era o único mais velho que falava português. Evangélico assumido, neste novo filme, ele conta sobre os novos costumes religiosos e o desaparecimento de algumas das tradições de seu povo: “Da minha parte, eu não queria acabar com a tradição do índio. Queria continuar. Pode ser que em algum tempo já tenha advogado aqui dentro. Mas é índio! Sempre tem a tradição, é o mais importante. O índio fala o idioma, mas vai na reunião na cidade e vai mostrar que é doutor. Mas é índio! Isso é muito importante, não pode largar essa tradição”.
Além dos novos costumes, o filme aborda antigos conflitos de terra. Um dos trunfos do longa, aliás, está no fato de a cineasta ter chegado à aldeia alguns dias depois da retomada de terras que estavam nas mãos de pecuaristas. Lucia filmou reuniões de negociações entre os fazendeiros e os índios, entrevistou antigas e novas lideranças e deu voz à diversidade indígena e aos seus novos/antigos conflitos.
Seria cômico se não fosse trágico o discurso de uma pecuarista durante uma reunião para definir os rumos das terras invadidas pelos “brancos”: “Eu tomei o partido de vir aqui porque era uma situação que incomodava muito a gente porque a gente não sentia segurança de trabalhar na terra. A única coisa que a gente quer é trabalhar na terra porque a gente vive disso. Por isso eu tive a coragem, junto com meu marido, de tomar a iniciativa de vir para a gente fechar uma parceria porque nós estamos lutando pelos mesmos ideais”, afirma, séria, a fazendeira.
O cacique Ademir Matchua rebate, calmamente: “Hoje o índio está correndo atrás de seus direitos. Assim como a sociedade também tem seus direitos, nós também temos os nossos. Sobre a questão de que Pedro Álvares descobriu o Brasil, ele não descobriu o Brasil. Ele invadiu o Brasil! Quando ele chegou aqui, o povo indígena já existia. A gente já existia. E hoje tem comemoração para Pedro Álvares. Quantas riquezas ele levou do Brasil? Muitas riquezas! E hoje a gente vive aí nessa situação”.
“As reuniões que filmamos entre os Kadiwéu e os pecuaristas sobre a questão das terras e que estão apresentadas no documentário são reveladoras não somente da situação atual, mas dos preconceitos que se acumularam na história da conquista”, afirma Lucia Murat.
Sem rotular, Lucia e o co-diretor Rodrigo Hinrichsen mostram as transformações que os Kadiwéu vêm sofrendo no modo de vida, nos costumes, na língua, na relação com o poder econômico e na luta pela garantia de seus direitos. Na verdade, o longa-metragem trata sobre um Brasil que não é mostrado no horário nobre da TV. Ele leva às telas a garra de um povo que ainda tem de lutar muito para viver e que ainda tem de travar duras batalhas para acabar com a opressão de que são vítimas desde a invasão do país pelos portugueses.
Assista o trailer do filme A Nação que não Esperou por Deus
Fonte: Rede Atual Brasil
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